domingo, 26 de outubro de 2008

TESTAMENTOS EM VIDA E SUICIDIO ASSISTIDO

No dia 12 de Setembro, um jovem inglês de 23 anos de idade, de seu nome James, pôs termo à vida numa clinica suíça onde se pratica a eutanásia. Jogador de râguebi, vira uma mêlêe desabar sobre si. As suas vértebras cervicais foram deslocadas e passaram a prender a medula espinal. Ficou, assim imediatamente, paralisado do pescoço para baixo.
Até à sua ida para a Suíça já tentara suicidar-se diversas vezes. Não estava preparado para uma ‘vida de segunda’ e sentia o corpo como uma ‘prisão’. Os pais, Mark e Julie, acompanharam-no na sua viagem.
A semana passada a policia inglesa tornou publico o facto de ter aberto um inquérito relativamente à morte de James. Em causa está a eventual prática do crime de suicídio assistido existente na legislação inglesa e que prevê que os auxiliares do suicida possam ser condenados numa pena de prisão até 14 anos. Segundo a policia, já tinham sido ouvidas duas pessoas e iria ser entregue um relatório ao Ministério Publico.
Na nossa terra, a situação está prevista no artigo 135º do Código Penal, que pune com a pena de prisão até três anos ‘quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim (...) se o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se.
A questão que se propõe é simples: poderão/deverão aqueles pais ser perseguidos criminalmente? Aquilo que eles praticaram, acompanhando o filho na sua decisão, foi um crime ou um acto sobre-humano de amor e de razão? Creio que seria um bom exercício imaginamos o que aquela mãe e aquele pai terão passado até se decidirem a acompanhar a decisão do filho. Há que aguardar pelo bom senso, ou pela falta dele, por parte das autoridades britânicas.
Mas a eutanásia não está na ordem do dia no nosso país e a morte raramente é bem-vinda, mesmo como tema de conversa. No entanto, ela sempre comparecerá e não seria mal para os cidadãos que algumas coisas estivessem mais organizadas. Uma das questões que é necessário tratar na nossa sociedade respeita à divulgação de ‘testamentos em vida’ (living Will) ou ‘testamento de paciente’ ou, ainda, ‘testamento biológico’.
Estes documentos, praticamente desconhecidos no nosso país, mas muito divulgados nos EUA, permitem que enquanto estamos sãos de corpo e de espírito possamos decidir o que queremos como tratamentos médicos quando já não estivermos em condições de o dizer. Se, se encontrar em estado vegetativo persistente, quer ser ventilado e alimentado artificialmente? Quanto tempo? Quer ser ressuscitado? Quer prolongar a sua estadia no hospital? Quer ir para sua casa e aí morrer?
O nosso Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) produziu um parecer, em 2005, sobre o estado vegetativo persistente. O documento é um parecer em aberto, que opta por não definir regras, embora afirme alguns princípios, mas termina por considerar que ‘não poderão ser aplicadas soluções uniformes às pessoas em estado vegetativo persistente, impondo-se, pois, uma avaliação criteriosa em cada situação.
Mas o parecer afirma também que a ‘pessoa em estado vegetativo persistente tem direito a cuidados básicos, que incluem a alimentação e hidratação artificiais’, e que ‘toda a decisão sobre o inicio ou a suspensão’ desses cuidados ‘deve respeitar a vontade do próprio’. Mais afirmou o CNECV que essa vontade ‘pode ser expressa ou presumida ou manifestada por pessoa de confiança’ previamente por si designada.
Isto é, a vontade da pessoa em estado vegetativo persistente é central na tomada de decisões sobre o prolongamento dos tratamentos médicos e da sua própria vida. ora, a manifestação da vontade, enquanto se está são, é, posteriomente, determinante na tomada de decisões, pelo que é de toda a conveniência que a mesma esteja registada por escrito.
É certo que o CNECV entende que não podem ‘ser aplicadas soluções uniformes’ e deixa à equipa médica e à família a tarefa de descobrirem a solução, o que até funciona bem em alguns casos. Mas quantas angústias não se poupariam se estivesse divulgado o ‘testamento em vida’?
O CNECV bem podia elaborar um modelo dos testamentos em vida que cobrisse as diversas situações possíveis, nomeadamente a situação de doença terminal ou estado vegetativo persistente e o tipo de cuidados7tratamentos recusados e promover a sua divulgação.
Em 2002, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) pronunciou-se, no caso Pretty contra Reino Unido, sobre a existência deste ‘direito a morrer’ para concluir que tal direito não resulta da Convenção Européia dos Direitos do Homem (CEDH), não condenando o Reino Unido. Dianne Pretty tinha 44 anos e sofria de uma doença degenerativa muscular sem cura, já se encontrando numa fase avançada da mesma, quase integralmente paralisada e pretendendo ser ela a decidir da dignidade da sua própria morte, pediu ‘imunidade’ para o seu marido do crime de suicídio assistido, já que a teria de auxiliar a pôr termo à vida. Mas as autoridades britânicas recusaram o pedido e Pretty recorreu ao TEDH, mas, embora reconhecendo que havia muitas questões controversas que se levantavam com a impossibilidade de escolher o seu momento da morte, o TEDH não descobriu nenhuma violação da CEDH.

‘Francisco Teixeira da Mota’

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