quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Diagnóstico avançado e investigação de ponta orientada para o doente

Potenciar o diagnóstico avançado e a investigação de ponta orientada para o doente são objectivos do protocolo, celebrado hoje, entre os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e a Associação Nacional de Imagiologia Funcional Cerebral.

Com sede em Coimbra, esta associação é uma instituição privada sem fins lucrativos que representa e possibilita as actividades da Rede Nacional de Imagiologia Cerebral, um consórcio actualmente com cinco universidades que permite a investigação conjunta e a partilha de dados sobre o cérebro e as doenças neurodegenerativas.
“É uma parceria estratégica, que reforça o espírito de cooperação entre as universidades e os HUC”, disse o presidente da Associação Nacional de Imagiologia Funcional Cerebral (ANIFC), Miguel Castelo-Branco, a propósito do protocolo.

Através do protocolo de cooperação, a rede proporciona uma infra-estrutura que inclui equipamentos
(“hardware” e “software”) e “recursos físicos, científicos e humanos que podem potenciar, do lado dos HUC, o diagnóstico avançado”. À Rede Nacional de Imagiologia Funcional Cerebral é possibilitada a investigação de ponta orientada para o doente.

Fundada por um consórcio de quatro universidades (Coimbra, Aveiro, Porto e Minho), a que se juntou depois a Universidade Católica, a rede permite o acesso da comunidade científica a equipamentos de ressonância magnética na área da imagiologia funcional cerebral e de eletrofisiologia de alta densidade.


Ao ser inaugurado o seu nó de Coimbra há dois anos, no pólo III das Ciências da Saúde da Universidade, a rede foi apresentada como uma estrutura
"inovadora e moderna", permitindo a investigação conjunta e a partilha de dados sobre o cérebro e as doenças neurodegenerativas.

Projectos conjuntos

Segundo uma nota dos HUC, o protocolo visa o desenvolvimento conjunto de projectos de cooperação científica e técnica, alicerçados na produção de mais-valias mútuas para apoio à investigação clínica avançada, abrangendo os interesses estratégicos de áreas que incluem, entre outros, a imagiologia, neurocirurgia, neurologia, oftalmologia e psiquiatria.


“A rede, ao proporcionar instrumentos de análise, ajuda a tornar o diagnóstico mais objectivo”
, disse ainda Miguel Castelo-Branco, ao salientar também o potencial do protocolo na construção de bases de dados.

Para o professor da Faculdade de Medicina de Coimbra,
“este tipo de protocolo antecipa um pouco o futuro, porque o futuro é trabalhar em rede, para bem do doente”. O protocolo foi celebrado às 12h30 nos HUC pelo presidente do conselho de administração deste estabelecimento, Fernando Regateiro, e pelo dirigente da ANIFC.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Lápis IKEA fazem «sucesso» em cirurgias

Para além de disponibilizar todo o tipo de mobiliário e acessórios de decoração para a casa, a IKEA pode descobrir uma oportunidade de negócio nos lápis que oferta nas suas lojas. Segundo um artigo publicado no "British Medical Journal", os lápis IKEA são melhores na demarcação de cortes em cirugias do que as canetas que tradicionalmente são utilizadas para o efeito.

Karen Eley, do Departamento de Nuffield de Ciências Cirúrgicas da Universidade de Oxford, e Stephen Watt-Smith, do Departamento de Cirurgia Maxilo-facial no Hospital John Radcliffe, em Oxford, dizem que, enquanto a popularidade destes lápis vai aumentanto entre os consumidores, havendo até grupos alusivos a este material na rede social
Facebook, o material também se vai revelando uma surpresa no que diz respeito à sua utilidade em cirurgias.


“Por mais populares que esses lápis sejam , ficamos surpreendidos quando nos foi entregue um durante uma cirurgia”, disseram os especialistas, acrescentando que a sua utilização para marcar os cortes em operações cranio-faciais e maxilo-faciais foi bem sucedida, revelando-se ainda melhor do que os marcadores de feltro que costumam ser usados, visto que as marcas destes normalmente são “apagadas” pela irrigação ou pelos tecidos fluídos.

“Infelizmente”
, dizem os cirurgiões, as repetidas esterilizações fazem com que os lápis comecem a lascar, mas até esse problema pode ser resolvido com a adaptação de punhos de silicone.Dado o sucesso deste material, os cirurgiões sugerem que os designers do IKEA desenvolvam esta ideia.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Distinção necessária

Enquanto nos Estados Unidos há 250 mil pessoas diagnosticadas com imunodeficiências primárias, no Brasil não chegam a 2 mil os casos confirmados dessa disfunção genética relacionada à deficiência no combate às infecções, que expõe o paciente a uma série de doenças. Entretanto, com base na incidência constatada na população norte-americana, estima-se que possa haver de 120 mil a 150 mil pessoas com o problema no Brasil.
A desproporção entre a estimativa e os casos registrados não é casual: o diagnóstico é o principal desafio da ciência em relação às imunodeficiências primárias, de acordo com o imunologista Steven Holland, chefe do Laboratório de Doenças Infecciosas Clínicas do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas – dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) –, sediado em Bethesda, nos Estados Unidos.
Os médicos, segundo Holland, têm dificuldades para interpretar os sintomas da imunodeficiência primária, que se confundem com infecções passageiras e menos graves. Outro desafio crítico é o tratamento desse problema relacionado a pelo menos 160 defeitos genéticos diferentes.
Em entrevista à Agência FAPESP, Holland explicou por que a importância e a incidência da imunodeficiência primária vêm aumentando em muitos países, assim como o esforço dos cientistas para compreendê-la – inclusive no Brasil.
Holland está no Brasil para participar da São Paulo Advanced School on Primary Immunodeficiencies: Unraveling Human Immuno-Physiology, promovida pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em parceria com o Instituto Gulbenkian de Ciência, de Portugal.
Organizado no âmbito da Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) – modalidade de apoio lançada pela FAPESP em 2009 –, o evento reúne 77 estudantes brasileiros e estrangeiros envolvidos com pesquisas relacionadas às imunodeficiências primárias. O foco dos estudos consiste em ver as imunodeficiências primárias como um experimento da natureza, que possibilita o avanço do conhecimento sobre a fisiologia do sistema imune humano.
Formado na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, em 1983, Holland começou suas pesquisas no NIH em 1989, no Laboratório de Microbiologia Molecular, trabalhando com a regulação transcricional do vírus HIV.
No início da década de 1990, seus estudos passaram a tratar de imunologia associada a infecções. A partir de então, tornou-se um dos principais especialistas na patogênese da doença granulomatosa crônica, uma imunodeficiência primária que afeta os fagócitos e acarreta, entre outras coisas, a predisposição a doenças micobacterianas.

Agência FAPESP – Quais são os principais desafios da ciência, atualmente, em relação à imunodeficiência primária e às doenças relacionadas a ela?

Steven Holland
– Há vários desafios críticos relacionados à imunodeficiência primária. Um deles é o diagnóstico. As crianças estão sujeitas a infecções relacionadas a uma grande variedade de organismos – e é muito comum que elas tenham infecções. O que é complicado é saber se a infecção reflete uma imunodeficiência – o que acarreta a necessidade de uma avaliação mais aprofundada. O ideal seria fazer um diagnóstico precoce.
Agência FAPESP – O que torna o diagnóstico tão difícil?
Holland
– Qualquer criança pode ter um problema – uma garganta inflamada, uma infecção no ouvido, ou uma infecção na pele, por exemplo – que pode ser perfeitamente normal, mas pode também ser parte de algo muito mais grave. São muitas variáveis e é difícil fazer a distinção entre esse tipo de disfunção e uma infecção normal. Há testes disponíveis para fazer essa distinção, mas alguns deles são muito difíceis de aplicar, outros são muito caros. Mesmo haver um grande número de testes é um fator complicador: muitas vezes não sabemos qual criança precisa de qual teste. Tudo isso é muito difícil de administrar, até mesmo para os especialistas.
Agência FAPESP – Testes genéticos poderiam proporcionar diagnósticos mais eficientes?
Holland
– Sim, mas isso também é complicado. Existem 160 defeitos de genes que acarretam imunodeficiências primárias. E, atualmente, sequenciar 160 genes seria bem caro. Dentro de cinco anos, no entanto, certamente não deverá ser tão difícil. De todo modo, o primeiro desafio atualmente é o diagnóstico. O segundo desafio é o tratamento.
Agência FAPESP – Quais são as dificuldades do tratamento?
Holland
– Há dois grupos diferentes de dificuldades. O primeiro consiste em definir o tratamento certo – com antibióticos, antivirais ou antifúngicos, por exemplo – a ser utilizado para prevenir a infecção. Esses remédios muitas vezes são muito caros, ou difíceis de tolerar. Fazer as pessoas tomarem um medicamento todos os dias também não é uma tarefa fácil.
Agência FAPESP – E a segunda dificuldade relacionada ao tratamento?
Holland
– A segunda questão está se tornando cada vez mais crítica, no Brasil, assim como em todos os países industrializados. Trata-se de saber quem deveria receber transplante de medula óssea. E, em relação aos que se submetem ao transplante de medula óssea: como devem fazê-lo e onde devem fazê-lo? No hospital local ou no hospital central de referência? Além disso, há outras questões complicadas nesses casos, relacionadas a recursos financeiros, à família, a viagens, ao acompanhamento posterior do doente. Acredito que essas sejam as duas questões críticas.
Agência FAPESP – Em que os pesquisadores brasileiros poderiam contribuir nesse contexto?
Holland
– O Brasil é um país de recursos extraordinários, com população muito grande e uma comunidade acadêmica médica realmente muito bem treinada. Sabemos que as imunodeficiências primárias são experimentos da natureza. Como o Brasil tem essa grande população – na qual existem centenas de milhares de casos de imunodeficiência para serem identificados – e tem modernos centros de referência acadêmica em cidades importantes, acredito que a contribuição do país pode ser valiosíssima.
Agência FAPESP – Em todas as áreas de pesquisa?
Holland
– Sim, por ter recursos humanos qualificados e uma amostra muito grande dessas doenças. Acho que os médicos brasileiros vão persistir nas pesquisas para que o país se torne capaz de identificar e tratar essas doenças. Quando o Brasil fizer isso, os cientistas brasileiros publicarão na literatura médica artigos que mostrarão de fato o que está ocorrendo no Brasil.
Agência FAPESP – Por que há interesse da comunidade científica internacional em saber o que se passa no Brasil?
Holland
– Um dos aspectos que tornam tão interessantes as infecções, em geral, e as imunodeficiências primárias, em particular, é que elas são muito regionais. As pessoas pegam infecções diferentes se estiverem em Bethesda ou em São Paulo. Apenas pessoas do Brasil nos ensinam o que são as infecções brasileiras. Os médicos vão saber o que esperar. Eles não vão esperar as infecções que eu vejo, necessariamente, porque eu vejo as que existem no meu ambiente. Vocês estão expostos a outras coisas e a riscos diferentes. E isso precisa ser definido por cada país, em cada lugar.
Agência FAPESP – A pesquisa nessa área é relativamente recente. Essas doenças parecem chamar cada vez mais a atenção. As taxas de imunodeficiência primária estão se elevando, ou é apenas o diagnóstico que está mudando?
Holland
– Acho que as duas coisas estão mudando simultaneamente. A nossa capacidade de diagnóstico está se aperfeiçoando e isso sempre será um fator importante. Mas há algo ainda mais importante: o nosso ambiente está mudando. Está se transformando de maneiras que o tornam mais limpo – temos refrigeração, leite pasteurizado, água limpa, temos redes de esgotos, coleta de lixo e assim por diante. O ambiente, portanto, é muito diferente do que se via há 100 anos. Ao mesmo tempo, estamos mudando o uso de antibióticos. Com isso, infecções que podiam ser fatais em crianças de 1 ano de idade agora são tratadas como se não fossem nada. Essas crianças, quando têm imunodeficiência primária, voltam a apresentar problemas diferentes aos 5, aos 10, ou aos 20 anos. Aí, de repente, nós olhamos para trás e percebemos que o problema na infância não era um problema comum.
Agência FAPESP – Então, com a mudança de ambiente essas crianças sobrevivem mais tempo com as imunodeficiências primárias?
Holland
– Sim. Também estamos mudando os nossos tratamentos e, com isso, vemos o mesmo em muitos países: há cada vez mais crianças com esses problemas, sobrevivendo mais tempo e sendo diagnosticadas mais tarde. Há doenças comuns em determinados países – mesmo em partes do Brasil –, como a malária e a tuberculose, cuja frequência está declinando. Mas, quando observamos as doenças de populações de países industrializados, vemos cada vez mais gente sendo diagnosticada mais tarde na vida, porque elas estão sobrevivendo na infância.
Agência FAPESP – Como variam as possibilidades de sobrevivência em relação à idade? Isto é: se o paciente conseguir alcançar determinada idade ele está a salvo?
Holland
– Acho que a resposta é em parte sim, em parte não. Como se sabe, tudo em nós se torna menos interessante à medida que envelhecemos. As crianças estão sempre lá fora brincando, na lama, na água, na poeira, no mato, sempre fazendo alguma coisa. Quando ficamos adultos, passamos nossas vidas em nossas casas e de lá vamos para nossos escritórios trabalhar. Não ficamos tão expostos a partes difíceis do ambiente como ficávamos quando éramos crianças. Então, por um lado, quando chegamos a uma certa idade, estamos menos expostos. Por outro lado, quando ficamos mais velhos, se há danos associados com nossas doenças – danos no fígado, no rim, ou no pulmão –, essas toxicidades e danos vão se acumulando com o tempo.
Agência FAPESP – A pessoa fica menos exposta e se torna menos resistente?
Holland
– O problema é que, embora a nossa exposição ao ambiente possa diminuir, o acúmulo de danos pode continuar crescendo. Temos uma vida irregular. Nosso corpo acumula certos níveis de dano conforme envelhecemos e, na imunodeficiência, temos diferentes tipos de danos baseados na desregulação imune. Algumas coisas podem melhorar e outras piorar.
Agência FAPESP – Além dos diagnósticos e tratamentos, a investigação das rotas e mecanismos das doenças também é um desafio importante?
Holland – São desafios, mas estamos fazendo o melhor que podemos e temos aprendido muita coisa. O Brasil também está fazendo um trabalho excepcional nessa área. Estamos no caminho certo, embora ainda tenhamos muito trabalho pela frente. 


Por Fábio de Castro

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

As várias faces da síndrome de Marfan

Em 2001, a equipe de Lygia da Veiga Pereira, coordenadora do Laboratório de Genética Molecular do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), produziu os primeiros camundongos geneticamente modificados no Brasil.
Eram roedores com um defeito genético similar ao que causa em seres humanos a síndrome de Marfan, doença caracterizada por problemas cardiovasculares, oculares e no esqueleto: tinham alterações em um gene, o Fbn1, responsável pela síntese da fibrilina 1, proteína fundamental para a formação do tecido conjuntivo.
Agora, quase dez anos após o experimento inicial, a mesma equipe de pesquisadores conseguiu refinar ainda mais o modelo animal da doença. Desenvolveu duas linhagens de animais que, embora carreguem o mesmo defeito genético, manifestam a doença de forma distinta.
Os principais sintomas da síndrome – alongamento de mãos e pernas, desvio da coluna vertebral, deformidade torácica e problemas cardíacos e oculares – aparecem de maneira mais aguda e precoce (três meses antes) na linhagem 129/Sv do que na C57BL/6.
Somente aos seis meses de idade, os roedores do segundo grupo atingem o mesmo nível de gravidade da doença que os animais do primeiro grupo apresentam aos três meses. A equipe da USP, que também inclui pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e do Instituto de Ciências Biomédicas, criou até métodos quantitativos para medir a severidade das alterações clínicas mais significativas da síndrome.
“Acreditamos que a atuação de genes modificadores pode alterar a velocidade do avanço da doença nas duas linhagens. Esses genes modificadores podem ser importantes para entendermos a progressão da síndrome em humanos”, disse Lygia, que publica artigo sobre o estudo nesta quarta-feira (30/11) na edição on-line da revista PLoS One.
A síndrome de Marfan é uma doença autossômica dominante. Basta que uma das duas cópias do gene Fbn1 tenha alguma mutação patogênica para que o problema se manifeste clinicamente.
O resultado com as duas linhagens animou os cientistas da USP. Mas a análise mais detalhada de um dos tipos de camundongos reservava uma surpresa ainda maior. Os animais da linhagem 129/Sv eram isogênicos – tinham, como clones genéticos, exatamente o mesmo DNA – e, ainda assim, expressavam clinicamente a doença em estágios completamente díspares.
Comparados com roedores de um grupo de controle, sem a doença, 16% dos 129/Sv podiam ser classificados como animais assintomáticos, 38% apresentavam um quadro tido como moderado da síndrome e 46% foram classificados como casos graves.
Nesse caso, não se pode atribuir os diversos graus de severidade da doença a eventuais diferenças no material genético dos camundongos. “Fatores epigenéticos podem estar por trás do surgimento de fenótipos (aparência física) distintos nos animais dessa linhagem”, disse Lygia.
Modernamente, a epigenética é definida como o estudo de mudanças no funcionamento do genoma de um organismo que podem ser herdadas, passadas de uma geração a outra, apesar de não ter ocorrido qualquer alteração na sequência original de DNA.
A influência do ambiente e o fato de uma determinada parte do genoma ter vindo do pai (em vez da mãe) podem ser interpretados como fatores epigenéticos, como elementos que, embora externos ao código genético propriamente dito, podem ter repercussões na expressão (ativação) de genes e, assim, modificar a manifestação clínica de uma doença.
“A biologia é muito complexa e ainda não conhecemos todas as variáveis que influenciam o funcionamento dos genes”, disse Lygia.  
O artigo A New Mouse Model for Marfan Syndrome Presents Phenotypic Variability Associated with the Genetic Background and Overall Levels of Fbn1 Expression (doi:10.1371/journal.pone.0014136), de Lygia Pereira e outros, pode ser lido em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0014136.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Novo fármaco para malária

O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está desenvolvendo um novo produto farmacêutico para combater a malária.
O sal híbrido Mefas é um insumo farmacêutico ativo (IFA) resultante da combinação de duas substâncias: artesunato e mefloquina. O novo fármaco está sendo desenvolvido em colaboração com o Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR) em Minas Gerais.
Atualmente, o Farmanguinhos produz o ASMQ, formulação em dose fixa combinada de artesunato e mefloquina, que é indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o tratamento da malária.
Segundo a Fiocruz, o Mefas é mais eficaz contra a malária do que os medicamentos artesunato e mefloquina, tanto usados separadamente como sob a forma do ASMQ.
Outra vantagem é que o novo fármaco causa menos efeitos colaterais – o sal híbrido não apresentou toxicidade mesmo quando utilizado em dose 100 vezes superior à necessária. Nos testes feitos em animais, o Mefas conseguiu curar a malária com metade da dose do ASMQ.
A Fiocruz já começou a realizar o estudo comparativo da biodisponibilidade, teste que avalia o grau de absorção da substância pelo organismo e sua disponibilidade no local de ação.
O próximo passo será encontrar um parceiro (empresa farmacêutica ou entidade financiadora internacional) que viabilize a realização dos estudos finais para se chegar ao produto registrado.
Após essa etapa, o fármaco será disponibilizado à população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e a outros países endêmicos, tal como ocorre com o ASMQ.
Mais informações: http://www.fiocruz.br

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

«Fez-se luz» sobre a síndrome Nicolais-Baraitser

No espaço de um ano, o geneticista Sérgio Sousa foi distinguido internacionalmente duas vezes pela investigação que tem vindo a realizar sobre a rara síndrome Nicolais-Baraitser. São agora conhecidos 40 casos em todo o mundo, mas antes do estudo deste português tinham sido diagnosticados apenas quatro.

Recentemente foi-lhe atribuído o Prémio John M. Opitz Young Investigator, graças a um artigo publicado na revista "American Journal of Medical Genetics". Sérgio Sousa encarou-o como um “estímulo” para continuar a trabalhar. Na sua área, “é o melhor prémio que se poderia receber, ainda mais por vir de um país [EUA] onde a investigação em genética já tem um grande historial”, disse ao “Ciência Hoje”, revelando a sua satisfação.

A investigar a doença em Londres, onde em 2009 iniciou um projecto de doutoramento no Institute of Child Health (University College London), o médico do hospital pediátrico de Coimbra conseguiu identificar as suas características, um trabalho nunca antes realizado.

“É uma síndrome malformativa que se manifesta desde a nascença. Revela-se com disformismos faciais e físicos, atrasos mentais, graves dificuldades na fala, microcefalia, enrugamento progressivo da pele e convulsões”
, explicou o geneticista de 32 anos, acrescentando que “é provável que os seus portadores tenham uma esperança média de vida reduzida” devido aos múltiplos problemas de que sofrem.
Em Portugal não há casos diagnosticados, mas há “suspeitas”, esclareceu o médico, que ainda não realizou testes que possam confirmar as suas dúvidas. Além disso, uma vez que é uma doença rara e pouco conhecida, o diagnóstico “torna-se mais difícil”, podendo haver muitos mais casos do que os que foram revelados.

Artigo elucidou muitos especialistas

A descrição e caracterização clínica é um passo fundamental para que novos casos sejam descobertos.
“Antes do meu artigo, as pessoas não estavam muito alerta”, algo que começa a acontecer com os resultados agora divulgados. Os próprios pais de crianças que têm essa síndrome começam a ser capazes de fazer o diagnóstico e médicos de várias partes do mundo têm contactado Sérgio Sousa no sentido de lhe pedir esclarecimentos sobre o assunto.

O geneticista está agora a trabalhar no sentido de desvendar as causas da síndrome e, embora haja fortes suspeitas de que sejam genéticas, ainda não foi possível sabê-lo com certezas.


Sem baixar os braços, Sérgio Sousa tem a esperança de, dentro de seis meses, resolver este mistério. Neste momento, tem a colaboração de centros da Holanda e da Bélgica que, através de meios mais avançados de sequenciação do genoma, estão a ajudá-lo a descobrir o que está na origem desta síndrome e também a detectar casos mais leves. Além disso, caso esta descoberta seja bem-sucedida, poderá ser viável, daqui a uns anos, obter uma forma de travar a doença.


Começar do zero
Até há três anos, o investigador sabia muito pouco sobre o assunto pelo qual foi agora premiado. Tudo começou num estágio que estava a realizar em Londres, no Great Ormond Street Hospital for Children, o maior hospital pediátrico da Europa.

“Vimos
[Sérgio Sousa e Raoul Hennekam, um dos mais conceituados dismorfologistas do mundo] um doente que levantou suspeitas de ter a doença e interessei-me pelo assunto. Ao pesquisar, descobri que havia muito pouca informação e decidi debruçar-me sobre isso”, explicou.

Na investigação foram envolvidos doentes de 15 nacionalidades.
“Fui a casa da primeira pessoa a quem a doença foi diagnosticada, contactei médicos e hospitais, sobretudo no Reino Unido, Holanda e França” na expectativa de “descobrir” pessoas que tivessem características correspondentes à síndrome Nicolais-Baraitser.

Foi assim que se iniciou este trabalho, arrancado em 2007, para identificar de que forma a doença se manifesta nas crianças, com o intuito de haver um melhor diagnóstico.. Actualmente, Sérgio Sousa está em Londres a investigar também outros síndromes cuja causa ainda não é conhecida e que são ainda mais raros.


Impacto nas famílias

O estudo do português tem tido muito impacto sobretudo na vida dos doentes e dos seus familiares. Estes têm-se unido e criado fortes relações. Já foi realizado um encontro mundial, no Reino Unido, com os pais de portadores desta doença,
“que se sentem reconfortados por alguém dar atenção a este problema e se dedique a estudá-lo”, contou o investigador. Além disso, já foi criada uma associação de pais de portadores da síndrome Nicolais-Baraitser, um grupo na rede social Facebook e na Wikipédia.

ARS Algarve e Hospital de São João foram reconhecidos com os Prémios Serviço ao Cidadão e Melhoria de Processos.

A Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve e o Hospital de São João foram reconhecidos, na 8.ª edição do Prémio Boas Práticas no Sector Público, com o Prémio Serviço ao Cidadão e Prémio Melhoria de Processos, respectivamente.
A Administração Regional de Saúde do Algarve foi reconhecida pelo projecto “Equipas de Cuidados Continuados Integrados”.
As equipas de cuidados continuados integrados domiciliários (ECCI), dotadas de carácter multidisciplinar adequado às necessidades dos cidadãos dependentes, são constituídas por profissionais dos cuidados de saúde primários que efectuam prestação de cuidados no domicílio na Região do Algarve, permitindo a estes cidadãos manterem-se no domicílio, com a maior qualidade de vida possível.
O projecto “Sistema de Consumos Online do Bloco Operatório”, do Hospital de São João, partiu da necessidade de dotar o Bloco Operatório de uma ferramenta que permitisse calcular de uma forma clara e objectiva o custo por intervenção cirúrgica de doente internado e, ao mesmo, tempo gerir o stock de material de consumo clínico consumido de uma forma mais eficiente e eficaz.
O Prémio Boas Práticas no Sector Público é promovido pela Deloitte, em parceria com o Diário Económico e com o apoio do Instituto Nacional de Administração (INA), Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e SIC Notícias.
A iniciativa visa promover a partilha de conhecimentos entre entidades em situações similares, através da divulgação de projectos que melhoraram a prestação do Estado, e reconhecer publicamente todos os que assumem o papel de “Servidores do Estado”, trabalhando com tenacidade em prol do cidadão.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Cientistas avançam rumo a uma vacina contra o câncer

Anti-vacina
Eles ainda não descobriram uma vacina para o câncer, mas cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, descobriram uma das razões pelas quais as tentativas anteriores para aproveitar o sistema imunológico para o tratamento de tumores cancerosos falharam.
A nova pesquisa, publicada na revista Science, revela que um tipo de célula do estroma, que expressa a proteína alfa de ativação dos fibroblastos (FAP), desempenha um papel importante na supressão da resposta imunológica na presença dos tumores cancerosos.
Essas células, presentes em muitos tipos de câncer, restringem o uso de vacinas e outras terapias que dependem do sistema imunológico do corpo para contra-atacar o câncer.
Terapias imunológicas
Os cientistas confirmaram que a destruição dessas células permite que o sistema imunológico controle um tumor previamente sem controle.
"Encontrar as células específicas, dentro da complexa mistura do câncer, que impedem a reação imunológica, é um passo importante. O prosseguimento dos estudos, sobre como essas células exercem seus efeitos, pode contribuir para a melhoria das terapias imunológicas, permitindo-nos remover a barreira do câncer," explica Douglas Fearon, coordenador da pesquisa.
As vacinas criadas para induzir o sistema imunológico a atacar as células cancerosas têm mostrado certa capacidade para ativar uma resposta imunológica no corpo, mas, inexplicavelmente, elas praticamente não afetam o crescimento dos tumores.
Imunologistas que se especializaram em tumores têm suspeitas de que, dentro do microambiente tumoral, a atividade de células do sistema imunológico é suprimida de alguma forma.
Mas, até agora, eles têm sido incapazes de inverter essa supressão.
A nova pesquisa lança as primeiras luzes sobre por que a resposta imune é suprimida.
Estroma
O estudo constatou que pelo menos um componente supressor está contido dentro de células de tecido normal (chamadas de células do estroma) que o câncer usa para sua própria sobrevivência.
A célula agora estudada expressa uma proteína única, muitas vezes associada com a cicatrização de ferimentos - a proteína alfa de ativação dos fibroblastos (FAP). As células que expressam a FAP são encontradas em muitos tipos de câncer, incluindo o câncer de mama e o câncer colorretal.
"Estes estudos foram feitos em camundongos e, embora haja muita sobreposição entre o sistema imunológico humano e dos camundongos, nós não sabemos a importância destas descobertas para os seres humanos até que sejamos capazes de interromper a função das células do estroma tumorais expressando FAP em pacientes com câncer," alerta o professor Fearon.

Energéticos e risco de alcoolismo

Uma nova pesquisa, feita nos Estados Unidos, verificou uma importante associação entre o consumo de bebidas energéticas e o risco de desenvolver alcoolismo.
O estudo, que será publicado na edição de fevereiro de 2011da revista Alcoholism: Clinical & Experimental Research, avaliou dados de mais de 1 mil estudantes universitários, dos quais 10,1% disseram ingerir energéticos pelo menos uma vez por semana.
Segundo o trabalho, aqueles com elevado consumo de energéticos (52 vezes ou mais por ano) apresentaram risco significativamente maior de desenvolver dependência de bebidas alcóolicas e se embebedavam mais e mais cedo (com relação à idade) do que os demais.
O estudo destaca que os energéticos contêm bastante cafeína e podem levar ao desenvolvimento de outros problemas, além da perda de sono. Segundo o trabalho, uma importante preocupação é que a mistura de energéticos com bebidas alcóolicas pode levar a um estado de “embriaguez desperta”, na qual a cafeína mascara a sensação de embriaguez sem reduzir os prejuízos causados pelo estado.
O resultado é que o usuário se sente menos bêbado do que realmente está, o que pode levar a consumir quantidades ainda maiores de bebida. “Os resultados reforçam a necessidade de maiores investigações a respeito dos possíveis efeitos negativos para a saúde das bebidas energéticas e dos riscos de seu consumo misturado com o álcool”, destacaram os autores.
“A cafeína não se opõe ou cancela os prejuízos associados com a embriaguez, ela apenas disfarça os marcadores mais óbvios desse estado. O fato de que não há regulação a respeito da quantidade de cafeína nas bebidas energéticas é desconcertante”, disse Amelia Arria, da Universidade de Maryland, um dos autores da pesquisa.
O artigo Energy drink consumption and increased risk for alcohol dependence (doi: 10.1111/j.1530-0277.2010.01352.x) pode ser lido em breve em www.interscience.wiley.com/jpages/0145-6008.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Simplesmente... Vencer o cancro!

Nunca é uma palavra definitiva; no entanto, mesmo que os especialistas digam que “não haverá uma vacina 'anti-cancro'– ou, pelo menos, num futuro próximo –, alertam igualmente para o facto de esta não ser necessariamente uma doença terminante. O livro «Vencer o Cancro», da autoria da jornalista Lúcia Gonçalves, é o suporte impresso que resulta do programa homónimo, transmitido pela SIC Notícias e apresentado pela mesma. Contando com a meticulosa revisão científica de médicos e investigadores das diferentes áreas oncológicas, é sobretudo um relato em registo positivo. 

“Quando tive a ideia do programa, vi logo que precisava de alguma ajuda. Não conheço as técnicas, quer de diagnóstico quer de tratamento, nem os investigadores portugueses da área em detalhe e, como queria integrar um fundo científico – porque é a ciência que dá este toque de esperança, no sentido de que isto não está parado, há evoluções constantes e são dados pequenos novos passos todos os dias, a caminho de grandes descobertas e tratamentos –, pedi ajuda ao Manuel Sobrinho Simões”, contou a autora ao «Ciência Hoje».

As 328 páginas, sob a chancela da Plátano Editora – com o prefácio a cargo de Sobrinho Simões e Leonor Beleza, investigador do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) e presidente da Fundação Champalimaud, respectivamente –, não explanam apenas ‘estórias’ de quem venceu a doença, mas servem precisamente de guia para os que tiverem inquietações, assim como para informar o cidadão curioso, o familiar e espicaçar a esperança
“daquele que engrossa as estatísticas”.
Os registos da Organização Mundial de Saúde são assustadores, mas podem ser evitados. O diagnóstico precoce continua a ser a melhor prevenção. Por exemplo, um gânglio aumentado pode ser o sinal de um linfoma. O primeiro capítulo abre dedicado ao cancro da mama e aqui encontramos a história da Raquel. Contudo, a narrativa segue com o caso de Inês Leal, de Vítor, da Luísa, de um general, e muitos outros. O elo comum a todas estas vidas é "um sombrio inquilino" – o cancro.

“Tem calma, tudo se há-de resolver; hei-de estar cá para ver o Pedro nascer”
, disse o António à Tânia. Ela estava grávida de cinco meses e ele acabara de descobrir um tumor cerebral. Existiam 50 por cento de probabilidades de ele não sobreviver – “o glioblastoma multiforme estava localizado numa zona carregada de vasos sanguíneos, e o risco de hemorragia foi constante ao longo da intervenção”, contou a escritora. António regressou vivo do bloco operatório e assistiu ao nascimento do filho e hoje apenas resta a cicatriz para lembrá-lo que ultrapassou o pesadelo.

Dura verdade ou vida com mais valor?

António Pereira Pinto era – sim, já faleceu – um general das Forças Armadas e comandante da Academia Militar cujo serviço activo já tinha abandonado há três anos. Quando teve conhecimento da doença (cancro da próstata), por já ter 61 anos, decidiu negar-se à cirurgia. Temia os efeitos secundários e preferiu assumir as consequências.
“De certo modo fiquei beneficiado pela doença e hoje as coisas têm mais valor do que antes”, revelou em entrevista num dos 20 programas das duas séries televisivas. Auto-denominava-se de “cadáver adiado”. Sobreviveu durante 19 anos, fundou a Associação de Doentes da Próstata e consagrou-se à sensibilização para o rastreio precoce e a aniquilar os mitos da masculinidade. Pereira Pinto é o único caso do livro que já não está presente.
A publicação não pretende enganar ninguém. A dura verdade é que há cancros que permanecem incuráveis. A relevância da obra torna-se ainda maior, porque existem outras pequenas vitórias que se podem alcançar quando nos queremos agarrar à vida, como “chegar a assistir ao casamento da/o filha/o ou conseguir realizar aquela viagem de sonho”, sublinhou Lúcia Gonçalves. E acrescentou: "Não fico mais tranquila com tudo aquilo que sei agora, mas estou mais consciente para as terapêuticas".

Ter qualidade de vida continua a ser
“o melhor amuleto” para ajudar-nos a vivê-la. Este livro reflecte como uma arma que ajuda a travar um combate. “Um leigo não dominará os pormenores técnicos e científicos, mas, conhecendo melhor o inimigo, fica equipado de forma bem diferente para resistir e vencer”, escreveu Leonor Beleza.

A autora deixa bem claro que
“o livro, tal como o programa, não pretende concorrer com os médicos, ou seja, é um guia, uma orientação que dá ânimo, mas também serve para esclarecer dúvidas e desfazer mitos”. Com a mão de Júlio Montenegro – jornalista, produtor, apresentador e marido –, Lúcia Gonçalves enquadrou os conteúdos dos programas, abordando cada uma das vertentes da doença, os sintomas que possam surgir, as formas de diagnóstico, os tratamentos, os factores de risco, a actual investigação clínica que a rodeia e a descrição dos órgãos afectados.Lançada anteontem no Porto, a publicação será agora apresentada dia 22 do corrente, em Lisboa e estará nos escaparates das grandes superfícies a 16,90 euros.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Estudo revela novo gene ligado à dor

Numa investigação internacional que envolveu o Instituto de Biotecnologia Molecular da Academia Austríaca de Ciências, a Harvard Medical School e o Hospital Infantil de Boston são revelados novos genes implicados na dor. O artigo está publicado na «Cell».

O investigador Josef Penninger explica que nas experiências foram encontrados muitos genes que anteriormente nunca tinham sido implicados neste processo. Um desses em particular, o α2δ3 (alfa2delta3), tem uma longa história evolutiva, evidenciada pelo facto de que desempenha um papel na sensação de dor na mosca da fruta, nos ratos e nas pessoas. Pelo menos no rato, este gene está também ligado à condição conhecida nos humanos como sinestesia, em que um determinado sentido é percepcionado por outro.

Esta descoberta, explica Clifford Woolf, da Harvard Medical School, reforça a importância da dor como um mecanismo de protecção. Outra descoberta importante é que este gene actua no cérebro e não no sistema nervoso periférico, como acontece com a maioria dos genes associados à dor.

Nas experiências, os investigadores utilizaram um método chamado
RNA interferente para desactivar genes em moscas da fruta e testar a sua resposta quando expostas a um calor muito nocivo (que as mataria se não se afastassem). Revelaram-se assim centenas de genes com um papel potencialmente importante no sentido da reacção à dor induzida por calor.

A equipa focou a sua atenção no gene α2δ3 (alfa2delta3). Não se conhecia até agora nenhuma relação deste com a dor. Mas era importante porque estava relacionado com outro gene que é alvo de medicamentos analgésicos.


A falta de actividade deste tornou tanto as moscas como os ratos menos sensíveis a este tipo de dor. Nos ratos, os investigadores foram capazes de rastrear onde o α2δ3 estava a agir e constataram que a sua actividade acontecia principalmente no cérebro e não nas terminações nervosas que são imediatamente responsáveis pela detecção de calor.


Foi já detectada uma variante deste gene em humanos que está associada à falta de sensibilidade ao calor e à dor crónica das costas.


A compreensão da base genética da dor pode levar ao desenvolvimento de novos analgésicos, bem como à identificação de factores de risco para dores crónicas. Pode também melhorar a tomada de decisões sobre a adequação do tratamento cirúrgico para pacientes diferentes, explica Clifford Woolf.


Artigo: A Genome-wide Drosophila Screen for Heat Nociception Identifies α2δ3 as an Evolutionarily Conserved Pain Gen

Gene do sono finalmente identificado

Muitos de nós sentem-se como ‘zombies’ sem oito horas de sono, enquanto outros ficam perfeitamente bem e recuperados do cansaço com menos. Agora, os geneticistas parecem ter descoberto, na população em geral, o gene que influencia a quantidade de sono de que necessitamos.

Em parte, este estudo também interessa aos biólogos por variar segundo diferentes factores, como o peso, que pode fazer com que determinadas pessoas tenham uma maior inclinação para desenvolver diabetes e doenças cardíacas. Além disso, quanto maior for a massa corporal de um indivíduo, menos este precisa de dormir.

Na tentativa de encontrar o gene do sono, uma equipa europeia estudou as populações de sete países, desde a Estónia até Itália, com 4260 voluntários. Cada um dos participantes preencheu um questionário relativo a hábitos de sono e deu uma amostra de DNA – que posteriormente foi varrido por milhares de marcadores genéticos, para conseguir identificar aquele que seria mais comum nas pessoas que dormem mais.

A duração do período de descanso nocturno parece estar fortemente relacionado com um dos marcadores no gene ABCC9. Quando lhes é permitido dormir o quanto quiserem, os que têm duas cópias da versão deste marcador dormem seis por cento menos do que os que têm a outra versão, segundo o estudo apresentado esta semana, por investigadores da Universidade de Munique (Alemanha), na reunião anual da Sociedade Americana de Genética Humana, em Washington, D.C.


O gene ABCC9 codifica uma proteína chamaram SUR2 que é parte de um canal de potássio, uma estrutura que canaliza iões de potássio para dentro e fora das células. Os investigadores fizeram uma experiência em duas espécies de moscas da fruta e quando modificaram a expressão do gene, estas dormiram significativamente menos, comparando com os grupos de controlo, refere o estudo.


Entretanto, um novo gene, Dec2, foi igualmente identificado e relacionado com a duração do sono, mas encontrado apenas nalgumas pessoas. O ABCC9 é o primeiro que estabelece uma forte relação com o tempo de sono e que é detectado na população em geral.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Repensar a esquizofrenia

Esquizofrenia é o assunto em destaque na capa da edição desta quinta-feira (11/11) da Nature, que avalia em editorial e em três artigos os avanços obtidos nos últimos cem anos na compreensão desse transtorno psíquico severo.
No editorial, a revista destaca que a pesquisa científica tem revelado as “complexidades assombrosas” da esquizofrenia, mas também tem mostrado novas rotas para o diagnóstico e o tratamento.
“Nos últimos anos, tem se avaliado que essa coleção de sintomas – que tipicamente se manifesta no início da vida adulta – representa um estágio posterior da enfermidade e que a própria enfermidade pode vir a ser uma coleção de síndromes, mais do que uma condição única”, destaca o editorial.
No primeiro artigo, Thomas Insel, do National Institute of Mental Health, nos Estados Unidos, faz uma revisão do conhecimento acumulado sobre o tema. Segundo ele, o futuro do assunto reside em “repensar” a esquizofrenia como um distúrbio do desenvolvimento neurológico.
“Esse novo foco poderá levar a novas oportunidades para a compreensão de mecanismos e para o desenvolvimento de tratamentos para o transtorno. Tratamentos têm sido experimentados há décadas, mas com pouca evolução e resultados na maioria das vezes insatisfatórios”, disse.
A esquizofrenia é uma desordem mental debilitante que afeta cerca de 1% da população mundial. No segundo artigo, Andreas Meyer-Lindenberg, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, discute como as novas tecnologias de obtenção de imagens estão deixando os aspectos apenas funcionais e estruturais para focar também nos mecanismos dos riscos da enfermidade.
Para o cientista, essas novas estratégias, como o uso de imagens em genética, possibilitam uma visão muito importante do sistema neural mediado pelo risco hereditário e ligado a variantes comuns associadas à esquizofrenia.
O artigo sugere que a caracterização dos mecanismos do transtorno por meio do desenvolvimento de tais técnicas poderá somar forças com os atuais projetos de pesquisa que visam à busca de tratamentos.
No terceiro artigo, Jim van Os, da Universidade Maastricht, na Holanda, e colegas fazem uma revisão do conhecimento atual a respeito das influências ambientais na esquizofrenia e os desafios que essas relações abrem para a pesquisa na área.
Os autores argumentam que mais pesquisas são necessárias para tentar descobrir a interação entre genética e ambiente que determina como a expressão da vulnerabilidade na população geral pode dar origem a mais psicopatologias severas.
Os artigos Rethinking schizophrenia (doi:10.1038/nature09552), de Thomas R. Insel, The environment and schizophrenia (doi:10.1038/nature09563), de Jim van Os e outros, e From maps to mechanisms through neuroimaging of schizophrenia (doi:10.1038/nature09569), de Andreas Meyer-Lindenberg, podem ser lidos na Nature em www.nature.com.

Os bons fígados de Pedro Baptista - De Portalegre à Carolina do Norte para criar células hepáticas

Já Joseph Ernest Renan, filósofo e historiador francês, dissera: “Em todas as coisas humanas, são sobretudo dignas de estudo as origens”. Pé da Serra, a oito quilómetros de Nisa, em Portalegre, só conheceu os caminhos do progresso após o 25 de Abril, segundo os registos.

Talvez por ter vindo de uma terra calcetada pelo inconformismo durante tanto tempo, Pedro Baptista – o jovem cientista português de 33 anos, que desenvolveu células hepáticas em laboratório, no Instituto de Medicina Regenerativa do Centro Médico Baptista da Universidade de Wake Forest, em Winston-Salem, na Carolina do Norte (E.U.A), uma espécie de ‘mini-fígados’ – revelou-se tenazmente contra a resignação e diz agora que não arredará o pé dali (EUA) “enquanto não tentar o transplante”.

Este investigador, que frisa ser “um alentejano de gema”, tem percurso marcadamente lusitano e revelou ao «Ciência Hoje» (CH) que, após conseguir aquilo que se propõe [o transplante de um órgão completo], almeja que o futuro seja igualmente em terras lusas. Mudou-se para os Estados Unidos em 2004 para realizar o doutoramento e é um elemento do extinto programa de Biomedicina da Gulbenkian.
“Lembro-me perfeitamente do momento em que quis seguir esta área”, disse. E acrescentou que ao longo da constituição do ano académico, aquando de um dos temas dos seminários sobre Biologia do Desenvolvimento e Células Estaminais "foi quando o interesse se fixou”. “É isto, aquilo que realmente quero fazer”, exclamou
O empenho aumentou com a procura de um laboratório onde pudesse criar um novo tecido ou órgão. Pedro Baptista licenciou-se em Farmácia, na Universidade de Lisboa e, como tal, desenvolver um fígado ou uma plataforma que o permitisse realizar novos testes farmacológicos ou toxicológicos (testar químicos usados na alimentação) são uma ambição crescente. Contudo, existem “muitas barreiras para conseguir recriar o órgão na sua totalidade, como o número de células necessárias (milhares de milhões),por falta de tecnologia”, sublinhou.

A actual alternativa é
“obter hepatócitos [células encontradas no fígado capazes de sintetizar proteínas, usadas tanto para exportação como para sua própria manutenção] de alguns destes órgãos recolhidos para transplante – e já usados em terapias celulares – ou criar esta ‘bio- engineering’ do fígado”, sustentou ao CH.

Vantagens das células adultas


Para o cientista alentejano, a grande vantagem destas células humanas adultas, por serem maduras, é superior em relação às embrionárias, que são progenitoras. Estes avanços têm inúmeras aplicações para doenças metabólicas e hepáticas.
“Nestes casos, as terapêuticas celulares são a maior solução”, revela.
Em situações de cirrose crónica, Pedro Baptista explicou que “o transplante é a única solução e terá ser um órgão saudável novo ou criado em laboratório”. Ainda, usar o modelo 'bio-engeneering’ no desenvolvimento de embriões humanos ou para estudos sobre o cancro, tal como já está a fazer com metástases do cólon, são outras possibilidades.

Entretanto, os mini-fígados têm 2,5 centímetros de diâmetro e pesam menos de seis gramas. Para serem utilizáveis, deveriam pesar pelo menos meio quilo e
“uma vez transplantados, estes órgãos conservam a suas funções iniciais e vão ganhando outras à medida que se desenvolvem”. Depois de conseguir, “não sei a quem é que este trabalho poderá interessar”, mas “existem excelentes institutos em Portugal”, revelou. E não conteve de frisar algumas das suas preferências como: “o Instituto de Medicina Molecular, que tem medicina regenerativa; a própria Gulbenkian, em Biologia do Desenvolvimento; o Instituto Nacional de Engenharia Biomédica ou ainda os 3 B’s da Universidade do Minho”, concluiu. 
O estudo já foi publicado no jornal «Hepatology».

Variação em proteína pode provocar a imunidade natural ao HIV

Uma pequena proteína poderá ser a chave dos casos raros de imunidade natural ao vírus da sida, permitindo às pessoas que a tenham combater a infecção sem tratamento. Este estudo, levado a cabo pelo Instituto Ragon (parceria entre o Massachusetts General Hospital, o MIT e a Universidade de Harvard), de Boston (EUA), está agora publicado na revista «Science».

Os cientistas descobriram que variações em cinco aminoácidos ácidos numa proteína chamada HLA-B estavam ligadas à imunidade natural ao HIV. “Entre os três mil milhões de nucléotidos – componentes elementares do ADN – que se encontram no genoma humano, apenas um punhado faz a diferença entre as pessoas que podem ficar de boa saúde sem tratamento, apesar de uma infecção com o HIV”, afirmou Bruce Walker, co-autor do estudo e director do Instituto Ragon.
Para identificar as diferenças genéticas que poderão conferir a imunidade rara, a equipa internacional de investigadores recrutou 3500 pessoas em diferentes clínicas do mundo, das quais 2500 sofriam de uma infecção progressiva do vírus da sida.

Recorrendo ao vasto estudo comparativo dos genomas, que testa as variações genéticas em um milhão de pontos do genoma humano, os cientistas identificaram aproximadamente 300 sítios estatisticamente ligados ao controlo imunitário do HIV. Estes sítios estão todos na região do cromossoma 6, que codifica as proteínas HLA.


Sem recorrer à sequência completa desta região do genoma, os autores do estudo desenvolveram uma técnica que permitiu isolar os aminoácidos ácidos, que têm um papel-chave no controlo viral.


Artigo: The Major Genetic Determinants of HIV-1 Control Affect HLA Class I Peptide Presentation

terça-feira, 9 de novembro de 2010

22 enfermeiras despedidas hoje dos Centros de Saúde do Algarve


22 enfermeiras que estavam a desempenhar funções nos Centros de Saúde do Algarve, em regime de subcontratação, foram ontem informadas telefonicamente para não comparecerem nos Centros de Saúde a partir de hoje, denunciou o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses em comunicado.
Segundo o SEP, «o Tribunal de Contas detetou ilegalidades no acordo firmado entre a ARS do Algarve e a empresa que disponibiliza serviços de enfermagem, ditando o seu chumbo e consequentemente a rescisão imediata».

Para além de engrossar o volume de despedimentos que tem vindo a aumentar no nosso país, esta situação, sublinha o Sindicato, «afeta gravemente os cuidados de enfermagem à população que se desloca aos Centros de Saúde».

«Os cuidados de enfermagem são afetados, quer diretamente, pela interrupção do trabalho que estava a ser desenvolvido pelas enfermeiras agora despedidas, quer indiretamente pela sobrecarga de trabalho imposta aos outros enfermeiros dos Centros de Saúde».

O SEP e os enfermeiros que se encontram nesta situação precária afirmam que têm vindo a alertar a ARS do Algarve, bem como de forma direta o Ministério da Saúde (a última vez em reunião no passado dia 5 de Novembro), que, «caso não fossem tomadas medidas urgentes, este cenário viria a ocorrer».

Segundo o SEP, a situação afeta, no Centro de Saúde de Lagos, os Cuidados Continuados, quer diretamente ao utente, quer nas atividades de suporte, bem como a saúde materna, infantil, saúde de adulto e tratamentos.

Em Portimão, fica afetada a Sala de tratamentos, Consulta aberta e departamento de Saúde Materna e Planeamento Familiar, em Vila do Bispo as consequências são mais graves para a Sala de tratamentos, podendo mesmo levar ao encerramento de extensões de saúde, o mesmo podendo acontecer no Centro de Saúde de Aljezur.

Em Lagoa, os despedimentos têm consequências na consulta de saúde de adultos, saúde materna, saúde infantil, consulta de diabetes e planeamento familiar, consulta de Hipocoagulação, onde é imprescindível a existência de um enfermeiro.

No concelho de Loulé, a extensão de Almancil fica a funcionar apenas com uma enfermeira em vez de três, a extensão de Quarteira perde uma, enquanto a população de Alte ficará sem cuidados de enfermagem.

No próprio Centro de Saúde de Loulé, ficam afetadas as Consultas dos utentes sem médico de família: Hipocoagulação, Saúde Infantil, Saúde Materna e Planeamento Familiar. Além disso, o ficheiro de vacinação fica por atualizar, perdendo-se a promoção da adesão à vacinação.

Finalmente, em Albufeira, fica comprometido o atendimento dos utentes sem médico de família, cerca de 12 mil, no que se refere a tratamentos e consultas de vigilância de saúde infantil/juvenil, saúde materna e de planeamento familiar e saúde reprodutiva.

O SEP denuncia ainda que, em Albufeira, foi hoje encerrado o serviço onde se realizava marcação de consultas, pesos de bebes, vacinação gripe e testes de diagnósticos precoce.

Por tudo isto, o Sindicato salienta que, num quadro em que «existe uma grave carência de Enfermeiros nos Centros de Saúde do Algarve», estes «22 enfermeiros, hoje despedidos, estavam a exercer funções imprescindíveis ao regular funcionamento dos Centros de Saúde, prosseguindo respostas às necessidades das pessoas» e o «Ministério da Saúde tem assumido que a reforma dos Cuidados de Saúde Primários é uma prioridade, e, mesmo no contexto de “crise”, é para continuar, aprofundar e ampliar», «mais uma vez se comprova a contradição entre o discurso político do Ministério da Saúde e a ausência de medidas, e, a sua desresponsabilização perante a obrigatoriedade de prestação de cuidados de qualidade e em tempo útil às populações, assim como o total desrespeito pela forma como trata os seus profissionais».

A terminar, o SEP exige o «reingresso imediato destas enfermeiras».

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Primeiro coração artificial permanente implantado em Itália


Adolescente teve intervenção de dez horas

Um coração artificial permanente foi implantado pela primeira vez num adolescente de 15 anos, na semana passada, no Hospital Menino Jesus de Roma (Ospedale Pediatrico Bambino Gesù di Roma), em Itália, durante uma intervenção que durou dez horas.

A grande novidade é o facto de este implante ser permanente e não temporário, como era habitual. Os especialistas da cirurgia cardíaca, dirigida por Antonio Amodeo, explicaram que o coração artificial temporário é utilizado habitualmente para ajudar os doentes à espera do órgão compatível para um transplante.
O coração artificial utilizado tem quatro centímetros de comprimento e 400 gramas. É uma bomba hidráulica activada electricamente, implantada no tórax para evitar riscos de infecção. O fornecimento de energia do aparelho acontece através de um contacto colocado atrás da orelha esquerda do adolescente, ligada à bateria que o paciente usa na cintura.
O jovem italiano sofria de uma patologia geral que o impedia de permanecer em lista de espera para um transplante e o hospital decidiu oferecer-lhe uma solução definitiva. A doença, conhecida como síndrome de Duchenne, é tão grave quanto rara e é desencadeada por uma proteína mal produzida; com erros na sua constituição. Provoca o mau funcionamento e a flacidez dos músculos (essencialmente dos que sustentam o coração e os pulmões).A intervenção é de carácter pouco invasiva e o aparelho e as suas modalidades de alimentação reduzem qualquer risco de infecção – a principal causa de falha em soluções alternativas, já utilizadas até agora.

A cirurgia abre portas para novas perspectivas terapêuticas e mais esperança de vida para pacientes com patologias cardíacas cujos transplantes são essenciais e não se podem candidatar a receber um coração de um dador por razões clínicas.