quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Os bons fígados de Pedro Baptista - De Portalegre à Carolina do Norte para criar células hepáticas

Já Joseph Ernest Renan, filósofo e historiador francês, dissera: “Em todas as coisas humanas, são sobretudo dignas de estudo as origens”. Pé da Serra, a oito quilómetros de Nisa, em Portalegre, só conheceu os caminhos do progresso após o 25 de Abril, segundo os registos.

Talvez por ter vindo de uma terra calcetada pelo inconformismo durante tanto tempo, Pedro Baptista – o jovem cientista português de 33 anos, que desenvolveu células hepáticas em laboratório, no Instituto de Medicina Regenerativa do Centro Médico Baptista da Universidade de Wake Forest, em Winston-Salem, na Carolina do Norte (E.U.A), uma espécie de ‘mini-fígados’ – revelou-se tenazmente contra a resignação e diz agora que não arredará o pé dali (EUA) “enquanto não tentar o transplante”.

Este investigador, que frisa ser “um alentejano de gema”, tem percurso marcadamente lusitano e revelou ao «Ciência Hoje» (CH) que, após conseguir aquilo que se propõe [o transplante de um órgão completo], almeja que o futuro seja igualmente em terras lusas. Mudou-se para os Estados Unidos em 2004 para realizar o doutoramento e é um elemento do extinto programa de Biomedicina da Gulbenkian.
“Lembro-me perfeitamente do momento em que quis seguir esta área”, disse. E acrescentou que ao longo da constituição do ano académico, aquando de um dos temas dos seminários sobre Biologia do Desenvolvimento e Células Estaminais "foi quando o interesse se fixou”. “É isto, aquilo que realmente quero fazer”, exclamou
O empenho aumentou com a procura de um laboratório onde pudesse criar um novo tecido ou órgão. Pedro Baptista licenciou-se em Farmácia, na Universidade de Lisboa e, como tal, desenvolver um fígado ou uma plataforma que o permitisse realizar novos testes farmacológicos ou toxicológicos (testar químicos usados na alimentação) são uma ambição crescente. Contudo, existem “muitas barreiras para conseguir recriar o órgão na sua totalidade, como o número de células necessárias (milhares de milhões),por falta de tecnologia”, sublinhou.

A actual alternativa é
“obter hepatócitos [células encontradas no fígado capazes de sintetizar proteínas, usadas tanto para exportação como para sua própria manutenção] de alguns destes órgãos recolhidos para transplante – e já usados em terapias celulares – ou criar esta ‘bio- engineering’ do fígado”, sustentou ao CH.

Vantagens das células adultas


Para o cientista alentejano, a grande vantagem destas células humanas adultas, por serem maduras, é superior em relação às embrionárias, que são progenitoras. Estes avanços têm inúmeras aplicações para doenças metabólicas e hepáticas.
“Nestes casos, as terapêuticas celulares são a maior solução”, revela.
Em situações de cirrose crónica, Pedro Baptista explicou que “o transplante é a única solução e terá ser um órgão saudável novo ou criado em laboratório”. Ainda, usar o modelo 'bio-engeneering’ no desenvolvimento de embriões humanos ou para estudos sobre o cancro, tal como já está a fazer com metástases do cólon, são outras possibilidades.

Entretanto, os mini-fígados têm 2,5 centímetros de diâmetro e pesam menos de seis gramas. Para serem utilizáveis, deveriam pesar pelo menos meio quilo e
“uma vez transplantados, estes órgãos conservam a suas funções iniciais e vão ganhando outras à medida que se desenvolvem”. Depois de conseguir, “não sei a quem é que este trabalho poderá interessar”, mas “existem excelentes institutos em Portugal”, revelou. E não conteve de frisar algumas das suas preferências como: “o Instituto de Medicina Molecular, que tem medicina regenerativa; a própria Gulbenkian, em Biologia do Desenvolvimento; o Instituto Nacional de Engenharia Biomédica ou ainda os 3 B’s da Universidade do Minho”, concluiu. 
O estudo já foi publicado no jornal «Hepatology».

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