sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Incontinência urinária em homens

Por Fábio Reynol

Agência FAPESP – A incontinência urinária provocada pela cirurgia de retirada da próstata, a prostatectomia, é um drama que tem crescido, mas ainda é pouco conhecido pela população em geral.

A afirmação é da professora Maria Helena Baena de Moraes Lopes, do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Durante pouco mais de dois anos, o grupo da pesquisadora acompanhou 41 homens, que foram submetidos à prostatectomia e estavam à procura de intervenção cirúrgica para a incontinência urinária que haviam adquirido.

A incapacidade de reter urina ocorre porque na cirurgia são retirados o esfíncter interno e parte do esfíncter externo da uretra juntamente com a próstata. O esfíncter funciona como uma “válvula” retendo a urina e controlando o seu fluxo.

“Muitos pacientes sofrem de incontinência temporária após a cirurgia e voltam a controlar a urina até um ou dois anos depois”, disse Maria Helena à Agência FAPESP. Isso, segundo ela, depende de uma série de fatores como idade do paciente, perda de sangue durante a cirurgia, volume da próstata, cirurgias prévias, preservação de feixes nervosos e do colo vesical e o tipo de cirurgia de próstata a que foi submetido.

A prostatectomia radical usada para o tratamento de câncer de próstata, por exemplo, é mais agressiva que a chamada ressecção transuretral, técnica aplicada em casos de aumento benigno do órgão. Os que sofrem esse segundo tipo de intervenção cirúrgica têm mais chances de retomar o controle urinário.

No entanto, em todos os casos, a incontinência urinária envolve dramas psicológicos e sociais. Foram eles que chamaram a atenção do grupo na Unicamp. “Durante uma pesquisa quantitativa que envolveu a aplicação de questionários de avaliação da qualidade de vida em saúde, percebemos que muitos homens queriam contar mais e falar mais sobre seus dramas”, disse Maria Helena.

Essas experiências levaram a pesquisadora a estudar o problema mais de perto a partir de um estudo qualitativo que contou com apoio da FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.

O trabalho foi realizado de novembro de 2007 a outubro de 2009 e identificou que, apesar de não ser considerada um grave problema de saúde, a incontinência urinária causa grandes impactos à vida de seus portadores.

“Por esse motivo, muitos pacientes a chamam de ‘a doença que não dói’”, disse Maria Helena. Segundo a pesquisa, as vidas familiar, social, ocupacional, sexual e afetiva dos pacientes costumam ser bastante prejudicadas.

Alguns dos homens acompanhados pela pesquisa chegaram a terminar relacionamentos afetivos. “Há pacientes que começam a ter medo de perder urina na relação sexual ou em outras horas impróprias”, contou.

Outra área repleta de dificuldades para os incontinentes é a vida social. Atividades como sair para festas, fazer compras ou mesmo visitar um amigo ou parente se tornam grandes transtornos.

A possibilidade de perder urina a qualquer momento torna necessário o uso de fraldas, o que traz outros inconvenientes especialmente para os que tentam esconder o problema.

“Mesmo quando vão visitar parentes, essas pessoas vão ao banheiro para trocar a fralda e não têm onde esconder a que foi trocada. Por isso, muitos preferem simplesmente não sair de casa”, disse Maria Helena.

Além disso, a incontinência urinária ainda pode trazer consequências financeiras, dependência de outras pessoas e restringir algumas atividades de trabalho e lazer. Segundo o estudo, os pacientes que assumem o problema perante a família e os amigos conseguem lidar melhor com a situação.

Com esse cenário, a autoimagem do paciente é abalada, especialmente a parte relacionada à masculinidade. “Por isso, o acompanhamento psicológico é muito importante”, ressaltou a professora da Unicamp.

Solução artificial e cara

Os efeitos da incontinência urinária são tão abrangentes que os pacientes a consideram até mesmo um problema maior que a impotência sexual, outra possível consequência da prostatectomia.

“Muitos dos pacientes idosos já esperavam a impotência sexual, mas não esperavam ficar incontinentes”, disse Maria Helena. Por isso, segundo ela, quando os problemas são simultâneos os pacientes colocam a incontinência como prioridade no desejo de cura.

Entre os tratamentos para a incontinência, o mais eficiente é também o mais inacessível para a maioria. Ao custo de R$ 40 mil, o esfíncter artificial é uma prótese que substitui o mecanismo natural de continência. Apesar de trazer bons resultados, seu valor não é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por isso, está longe da realidade da maioria dos homens com incontinência.

Outras técnicas cirúrgicas, como o constritor uretral, desenvolvido pelo médico Salvador Vilar Correia Lima, pesquisador na Universidade Federal de Pernambuco, e a implantação de slings (um tipo de suporte que sustenta a uretra, promovendo a continência), são empregadas com maior frequência devido aos seus custos mais acessíveis.

Maria Helena pretende continuar o trabalho utilizando os recursos do Laboratório de Urodinâmica e Estudos da Incontinência Urinária que está sendo implantado na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e que é coordenado por ela e pelo professor Carlos Arturo Levi D’Ancona.

“Os diagnósticos de problemas na próstata têm aumentado nos últimos anos e atingido também faixas etárias mais amplas, por volta dos 50 anos ou menos. Com isso, o número de prostatectomias e de casos de incontinência urinária pós-cirurgia também devem aumentar. Precisamos estar preparados para isso”, destacou.