segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Urgências ainda não têm regras


A contratação de médicos pagos a peso de ouro para assegurar Urgências continua sem controlo. O Ministério da Saúde não sabe quantas empresas de recursos humanos existem e quais trabalham para os hospitais. Grande parte delas pertence a médicos funcionários públicos. Oferecem mão-de-obra para atender doentes fora do horário, mas cobram muito acima do normal – chega aos 100 euros à hora, 2500 euros por turnos de um dia. São os próprios hospitais que os contratam a afirmar que a situação está "descontrolada" e a precisar de "uma solução urgente".

Em 2006, a então secretária de Estado, Cármen Pignatelli, admitia que este mercado "nasceu desregulado" e que "ninguém garante a qualidade", prometendo apertar o cerco a estas situações. Havia hospitais que, não tendo médicos suficientes, recorriam a empresas fazendo contratos "de uma folha A4". O nome, a especialidade e a experiência de cada um eram dados desconhecidos. E fez um despacho para impor regras. Mas, dois anos depois e em situação de crise, os hospitais continuam a não olhar a meios para conseguir clínicos e manter os serviços a funcionar.

"Os critérios dependem de cada hospital. Contudo, estas contratações não passam pelos recursos humanos, mas pelo departamento de compras, que não está vocacionado para olhar para currículos e competências", admite Manuel Delgado, administrador do Hospital de Curry Cabral, em Lisboa. Apesar de haver regras para que as unidades não contratem ‘por fora’ funcionários dos quadros, estes dados não são cruzados entre hospitais. "Posso ter um médico que não faz horas extraordinárias, mas vai fazê-las a Vila Franca de Xira por um preço muito superior", com o Estado a pagar duas vezes, afirma. Para o administrador, isto tem nome – "extorsão e roubo". Mais: "A única regra é não contratar aposentados. Mesmo assim, alguns contornam a situação constituindo sociedades."

Prova de que estas regras não estão a ser cumpridas é o resultado de uma auditoria da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, que, no ano passado, ainda encontrou unidades que só identificam as empresas e não os médicos.

Num momento em que os hospitais têm ordens para poupar, há médicos a ganhar 2500 euros por turnos de 24 horas, mais do que um salário ao fim do mês, admite à Lusa o administrador da Maternidade Alfredo da Costa, Jorge Branco. "Um puro desperdício", defende Manuel Delgado. "Preferia gastar esse dinheiro para ter resultados: mais cirurgias, mais consultas. Não numa Urgência onde, se não aparecer ninguém, o médico até pode estar a dormir". Prova de que a saúde "continua a centrar-se nas Urgências e que as reformas nos centros de saúde ainda não estão a produzir resultados".

MINISTRA ESTUDA SOLUÇÕES MAS NÃO DIZ QUAIS

O Ministério da Saúde "reconhece" o problema do recurso a médicos tarefeiros. O gabinete da ministra Ana Jorge adianta que "estão a ser estudadas medidas para combater esta situação". Mas não adianta quais, dizendo que "serão conhecidas oportunamente". Esta prática está a ser utilizada por todo o País, dos hospitais do Interior aos das grandes cidades. Em alguns, as empresas de tarefeiros são já dez por cento dos recursos humanos nas Urgências.

A consequência imediata é o Estado gastar muito mais com esta prática. Existem limites para os gastos com horas extraordinárias, mas estas contratações escapam a esse controlo. Como são empresas prestadoras de serviços, os custos são registados como aquisição de serviços e não como despesas com pessoal.

NÃO É EXIGIDO REGISTO ÀS EMPRESAS

Não há organismos da saúde que controlem o funcionamento deste sector. O mercado é recente e sofreu uma explosão nos últimos anos com a crescente falta de médicos. Há várias sociedades regionais de pequena dimensão. Como são entidades que apenas fornecem recursos humanos, não precisam de estar registadas na Entidade Reguladora da Saúde ou na Direcção-Geral da Saúde, organismos que se ocupam das unidades prestadoras de cuidados, não dos contratos laborais que estas utilizam. Com a carência generalizada de médicos, os valores praticados ficam sujeitos às regra da procura e da oferta.

APONTAMENTOS

Especialidades

Existem mais de 40 empresas. Anestesia, pediatria e obstetrícia são as especialidades mais requisitadas, porque são as que têm mais falta de médicos.

Formação

Há especialistas que correm o País, a trabalhar horas a fio, para complementar o salário que ganham nos serviços públicos, incluíndo os médicos de família dos centros de saúde. Mas também muitos estrangeiros indiferenciados(sem especialidade).


Rute Araújo

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