terça-feira, 30 de setembro de 2008

CRIME CONTRA A MULHER

Obrigar uma mulher a manter uma gestação de um feto anencefálico, contra a sua vontade, é um crime. E o pior de tudo. Contra a mulher pobre, indefesa que não pode impor a sua vontade. Isso porque, como a interrupção da gestação nesses casos é permitida e apoiada em todos os países do primeiro mundo, qualquer pessoa pode ir a um hospital nos Estados Unidos, Europa ou Ásia e ser atendida se essa for a sua vontade. Basta ter recursos. Aliás, nem precisa ir tão longe. Desde 2003, a Argentina permite a interrupção da gestação de fetos com deformações irreversíveis e incuráveis. Um precedente importante na América Latina. Além disso, a maioria desses centros conta com uma equipe treinada para dar todo o suporte e amparo que a mulher necessita em um momento difícil como esse.

A anencefalia é letal em todos os casos

A imprensa mostrou inúmeras vezes o caso de Marcela, uma menina aparentemente anencefálica, que sobreviveu por mais de um ano. André Petry escreveu um excelente artigo (De Olho no Ardil – em VEJA desta semana) chamando a atenção para o caso. Marcela apesar de ter uma lesão cerebral muito grave - que só lhe permitiu uma vida vegetativa, sem contato com o mundo - não tinha anencefalia. É fundamental deixar isso muito claro. Fetos anencefálicos são natimortos ou não conseguem sobreviver mais do que algumas horas.

A gravidez é de alto risco

Perguntei ao doutor Thomaz Rafael Gollop, que é professor de obstetricia e ginecologia da Universidade de São Paulo, e um dos grandes especialistas no assunto, como era a gestação de fetos anencefálicos. "O que poucos sabem é que além do sofrimento psicológico, gerar um feto anencefálico aumenta o risco da gravidez para a mãe em vários aspectos", respondeu enfaticamente o especialista. "Entre eles: polihidramnio ou excesso de líquido que pode causar insuficiência respiratória, distensão enorme do útero - porque é comum esses fetos passarem da idade gestacional, risco de 3 a 5 vezes maior de hemorragias.

Além disso, comumente eles têm ombros muito grandes o que torna o parto muito difícil." Podemos obrigar uma mulher a uma gravidez de risco, a um sofrimento físico e psicológico sabendo de antemão que ela não terá um bebê vivo? E ainda, podemos obrigá-la a passar por isso tudo contra a sua vontade?

O exame pré-natal e o diagnóstico precoce

A tecnologia moderna permite um diagnóstico seguro e irrefutável em 100% dos casos. Não é necessário uma junta médica para comprová-lo. A outra vantagem é que o diagnóstico pode ser feito no início da gestação, entre 10 e 12 semanas quando a interrupção não oferece riscos para a mãe. Vantagem que também pode se transformar em calvário. Imaginem uma mãe que sabe aos 3 meses de gestação que seu feto tem anencefalia e não tem a permissão para interromper a gravidez. Ela terá que esperar seis meses para poder enterrar o seu filho natimorto? Ao invés de curtir a gravidez, imaginar seu bebê no colo, a alegria de ser mãe, a celebração de uma nova vida.... só lhe restará planejar a compra de um caixão, de um jazido no cemitério.

Pergunto novamente: temos o direito de impor isso a uma mãe contra a sua vontade? Ninguém pode obrigar uma mulher nem a interromper, nem a manter uma gestação de um feto que nascerá morto. A decisão tem que ser dela.


Mayana Zatz

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