segunda-feira, 15 de setembro de 2008

MICHAEL DEBAKEY – 1908-2008


“Foi um dos maiores cirurgiões de sempre, salvando milhões de vidas. Revolucionou o tratamento das doenças do coração e acompanhou a saúde de Marlene Dietrich, Kennedy, Nixon ou Ieltsin. Fez 60 mil operações.”

O fascínio por aquela profissão, que devolvia saúde e salvava vidas, vinha de longe. Durante a infância, passava dias na farmácia do pai, na cidade de Lake Charles, a fazer perguntas aos médicos que lá iam buscar os preparados químicos de Morris Dabagui, um cristão libanês fugido à intolerância religiosa no Médio Oriente que, por conveniência de pronuncia, mudara o nome para DeBakey ao instalar-se no Luisiana. O tal fascínio acabaria por conduzir o filho do imigrante até ao curso de medicina, concluído numa altura em que ser medico era apenas ser medico: não havia especialidades. Por isso, foi já depois da universidade que Michael despertou para a paixão da sua vida.
Aconteceu numa noite de 1933. estava de serviço no hospital de Nova Orleães quando a policia lhe levou um homem que tinha sido esfaqueado com uma violência extrema: o coração da vitima podia ser observado à vista desarmada, a palpitar entre bolhas de sangue e as costelas rebentadas. A imagem era aterradora, mas só para os policias; o medico estava maravilhado, como reconheceria décadas mais tarde, quando era já um dos grandes cirurgiões cardiovasculares do mundo. “Nunca tinha visto um coração vivo. E aquilo era uma obra de arte, uma visão inspiradora”.
O Cirurgião que tocava saxofone, tinha mau feitio e um vincado sotaque sulista morreu a escassos três meses de completar cem anos de idade, no passado dia 11 de Julho, em Houston – a cidade texana que, graças ao seu trabalho, alberga hoje um dos maiores pólos internacionais de investigação de doenças cardiovasculares. Formado numa época em que o coração era um órgão intocável e misterioso, DeBakey foi um pioneiro da investigação dos problemas cardíacos e abriu caminho para muitas das atuais técnicas cirúrgicas. Em quase 80 anos de atividade, operou uma multidão: 60 mil doentes. Pelo meio, acompanhou o estado de corações famosos: o do Xá reza Palevi, de Eduardo VII, Onassis, Marlene Dietrich, Jerry Lewis, John Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon, e mais recentemente o de Boris Ielstin, que lhe chamou “mago do coração”. Não foi um dos maiores exageros do Presidente Russo. Para a circunspecta American Medical Association, acaba de morrer “o maior cirurgião de todos os tempos”.
Deve-se a Michael DeBakey a primeira ligação que foi estabelecida entre o consumo de tabaco e o cancro do pulmão. E deve-se também ao seu gênio e poder de iniciativa, enquanto médico militar na II Guerra Mundial, a invenção dos hospitais móveis para socorrer os feridos nas frentes de batalha – os chamados MASH, largamente utilizados logo a seguir ao conflito europeu, na guerra da Coréia.
Mas foi a tentar perceber, ao mais ínfimo pormenor, o funcionamento e as fraquezas do coração que DeBakey se notabilizou. E começou cedo. Na década de 30, quando era estudante em Nova Orleães, criou uma bomba destinada a analisar o fluxo do sangue nas veias. Apesar do aspecto rudimentar, era um dispositivo revolucionário. Foi imediatamente adaptado para transfusões e, 20 anos mais tarde, em 1954, revelou-se o componente central de uma nova maquina: a mesma que ainda hoje assegura a circulação sanguínea dos doentes durante as operações.
DeBakey desbravou muito terreno nessa área. Foi o primeiro médico a adotar técnicas cirúrgicas fundamentais, como o bypass. E nos anos 50, obcecado por encontrar uma solução para os aneurismas na aorta, descobriu o tecido que é utilizado na substituição de artérias danificadas. Do seu leque de contribuições, fazem também parte as primeiras experiências com corações artificiais, a invenção do dispositivo de assistência ventricular e, logo após a mítica operação de Cristian Barnard, na África do Sul, o primeiro transplante de vários órgãos de um mesmo dador para vários receptores.
Recebeu as mais altas condecorações de Kennedy, Reagan, e também do governo russo, depois de ter ajudado Boris Ieltsin.

‘Francisco Camacho’

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