quarta-feira, 7 de abril de 2010

Qualidade das vozes femininas

Por Fábio Reynol

Agência FAPESP – Durante aproximadamente um minuto, a voluntária lê um texto impresso duas vezes. A primeira leitura em tom normal; a segunda, com maior intensidade. Sua voz é registrada em um gravador digital de alta precisão em uma cabine acusticamente isolada.
Repetida com 60 pessoas, essa experiência fez parte do trabalho “Análise acústica e perceptivo-auditiva da voz de atrizes brasileiras: espectro médio de longo termo e o formante do ator”, apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular e que procurou traçar diferenças entre as vozes de atrizes e as de não atrizes.
A experiência, encerrada no fim de 2009, foi coordenada pela professora Suely Master, do campus de São Paulo da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (Unesp). Foram selecionadas 30 atrizes que tivessem, no mínimo, cinco anos de carreira profissional e cursado aulas de técnicas vocais. As outras 30 voluntárias, por sua vez, não poderiam ter formação cênica nem treinamento em técnicas vocais.
Segundo Suely, o estudo usou como parâmetro de medição o chamado “espectro médio de longo termo”, que significa uma análise em um tempo maior do que as convencionalmente feitas em testes fonoaudiológicos.
“O que se faz normalmente é pedir para a pessoa sustentar a emissão de uma vogal durante um curto período. Porém, nessa pesquisa pedimos a leitura de um texto”, disse à Agência FAPESP.
Outra novidade da pesquisa foi a abordagem de vozes femininas. “Há muitos estudos de vozes de homens, mas quase nada sobre o desempenho de mulheres”, afirmou.
No caso dos atores, pesquisas anteriores identificaram uma faixa de frequência, entre 3 e 4 kHz, em que há grande concentração de energia. Esse espectro é comum na maioria dos atores e seria o responsável pelo bom desempenho de suas vozes, tanto que é conhecido como “formante do ator”.
Um dos objetivos da pesquisa foi verificar se também as mulheres teriam uma faixa privilegiada durante a performance vocal e que pudesse atribuir qualidade à voz dessas profissionais.
No entanto, o estudo não encontrou um equivalente feminino para o “formante do ator”, embora a superioridade da qualidade da voz das atrizes tivesse ficado evidente em comparação às demais voluntárias que não tinham formação em teatro.
“Essa qualidade maior das vozes das atrizes foi uma hipótese que se confirmou, mas, além disso, queríamos dizer em que pontos especificamente estariam essas diferenças no espectro de som”, disse Suely.
Na pesquisa, as atrizes apresentaram vozes mais graves e suaves, sem forçar muito o aparelho fonador. Já as não atrizes avaliadas fizeram leituras mais agudas e demonstraram ter feito um esforço maior para ler.
“Essa informação é importante e indica que o treinamento vocal pode gerar uma grande economia de energia para o ator”, explicou a pesquisadora. Para profissionais que utilizam a voz com frequência, as técnicas vocais podem preservar a saúde, segundo destaca a professora.
Comparando as medidas com outros estudos feitos com homens, Suely conseguiu traçar também algumas diferenças entre os sexos. Enquanto as vozes masculinas têm características fortemente ligadas à ressonância e ao desempenho das pregas vocais, nas mulheres o papel principal da produção da voz projetada ou da voz cênica fica por conta da laringe.
Analisadores eletrônicos de voz
As análises foram feitas por meio de equipamentos acústicos de última geração, como um gravador digital profissional e um analisador de voz capaz de avaliar vários parâmetros vocais. “Esses recursos, assim como boa parte do nosso laboratório, foram adquiridos graças ao apoio da FAPESP”, disse Suely, que também coordena o Laboratório Didático de Voz e Interpretação da Unesp.
Ela explica que, antes do advento desses equipamentos, as análises dependiam apenas do ouvido humano. “Atestávamos a qualidade da voz, mas ficávamos com a pergunta: por que essa voz é boa? Agora, com medições mais objetivas, conseguimos ter respostas”, contou.
Mesmo com a tecnologia eletrônica disponível, a pesquisadora não dispensou a avaliação tradicional da escuta humana. Após as análises em computador, as gravações foram misturadas e, sem identificação, submetidas a análises perceptivo-auditivas de cinco fonoaudiólogas.
As profissionais anotaram em uma ficha os padrões percebidos e apontaram as vozes de atrizes como sendo mais graves, as mais sonoras e as mais articuladas, entre outros parâmetros. Os resultados coincidiram com os registrados pelas máquinas.
Suely ressalta que esse tipo de trabalho traz contribuições importantes para a formação do ator. “Pesquisas desse tipo permitem, por exemplo, o desenvolvimento de novas técnicas vocais para a atuação em palco e de novas metodologias de ensino no campo da expressão vocal.”
Ela constatou também a importância da “visualização” da voz possibilitada pelos gráficos de frequência fornecidos pelos equipamentos computadorizados. Ao enxergar o espectro da própria voz, o ator pode acompanhar visualmente os resultados dos exercícios e das técnicas empregadas. “É impressionante o efeito positivo que essa visualização tem para os estudantes”, disse.
No entanto, pesquisas como essa, que abordam dados mais técnicos, ainda são raras em instituições de ensino de artes cênicas, segundo aponta a própria pesquisadora. “Procuramos colocar a fonoaudiologia a serviço da arte, mas a disciplina ainda é privilégio de poucas escolas do gênero”, apontou.

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