terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Frio afecta coração e respiração

O organismo humano não está preparado para enfrentar temperaturas baixas, que afectam várias funções básicas, nomeadamente a nível respiratório e cardíaco. A troca de oxigénio por dióxido de carbono processa-se idealmente a 21 graus Célsius. Muito abaixo disso, as reacções ficam mais lentas e a absorção de oxigénio pelos músculos é prejudicada, o que conduz ao aumento do esforço. Também a nível cardíaco, e dado que o sangue ‘foge’ da pele e das extremidades para manter o calor no interior do corpo, há alterações: aumenta o retorno venoso do coração, que bombeia mais lentamente, originando quebra da frequência cardíaca e maior pressão sanguínea. Motivos suficientes para não brincar com o frio.
"O principal problema é a hipotermia, quando a temperatura do corpo baixa mais do que é normal, o que afecta os sistemas e órgãos", sublinha a médica de clínica geral Filipa Mafra, apontando os efeitos associados de prostração e desconcentração.
O ar frio irrita as mucosas das vias respiratórias ao mesmo tempo que confere vida (mais) longa aos vírus, criando o cenário ideal para a propagação das infecções, acrescenta. Proteger a boca e o nariz com um cachecol, de modo a aquecer o ar antes que entre no organismo, ajuda a prevenir a irritação das mucosas e a mantê-las actuantes na primeira linha de defesa contra as infecções. Sem ajuda, o organismo reage ao frio, nomeadamente por meio da contracção dos vasos sanguíneos – vasoconstrição –, bem como de arrepios e do ‘bater de dentes’, pequenas contracções musculares que, queimando hidratos de carbono, gorduras e calorias, resultam na produção de calor.
A sensação de frio depende não só da temperatura, como também da velocidade do ar, ou seja, do vento. Segundo o meteorologista Anthímio de Azevedo, ventos de dez quilómetros/hora associados a temperaturas de zero graus produzem uma sensação térmica de dois graus negativos. Se o ar se desloca 40 quilómetros horários, os zero graus transformam-se em 13 negativos.
PORMENORES
GRUPOS DE RISCO
Crianças e idosos são especialmente susceptíveis devido à menor percepção do frio e do calor pelos respectivos sistemas reguladores da temperatura. Ou seja, como não se apercebem dos extremos, são mais vulneráveis.
CAMADAS DE ROUPA
Vestindo várias peças de roupa em vez de uma única muito quente, evita-se a transpiração, que gera arrefecimento. Por outro lado, entre as várias camadas gera-se uma espécie de caixa de ar que protege do frio.
ÁGUA DE BANHO
O duche deve iniciar-se com água quente, progressivamente arrefecida até ficar quase fria. Por meio da vasodilatação, que implica afluxo de sangue à superfície da pele, o organismo produz calor e prepara-se para enfrentar a saída do duche. Se a água se mantiver sempre à mesma temperatura, não há maneira de evitar o choque térmico após o banho.
"AS PESSOAS VÃO PERDENDO FACULDADES DE DEFESA": Américo Borges Médico de clínica geral e do INEM
Correio da Manhã – Quais são os sintomas da hipotermia?
Américo Borges – Tremores no corpo e perdas momentâneas de consciência. Quando o organismo atinge temperaturas abaixo dos 34 graus, entra em estado hipotérmico.
– É possível uma pessoa não se aperceber desse estado?
– Depende. Se for na sequência de um acidente em que a pessoa fica inconsciente, não há nada a fazer. Se for em consequência de uma situação de desorientação, pode entrar em hipotermia e não ter noção. O que acontece é que vai perdendo faculdades de defesa.
– Que cautelas se deve ter quando se vai para um local de risco como a serra da Estrela?
– É essencial usar roupa conveniente: mais que uma camisola interior, collants, tecidos de algodão e lã, casacos de penas.
– Quando tempo é que uma pessoa pode aguentar em estado de hipotermia?
– Depende do organismo de cada um. Pode-se aguentar largas horas ou até dias. O importante é que as pessoas nessa situação sejam assistidas o mais rápido possível sob pena de sofrer grandes e graves consequências para a saúde.
"DESIDRATAÇÃO TAMBÉM TEVE MUITA INFLUÊNCIA"
João Garcia atingiu o pico do Evereste, a montanha mais alta do Mundo, entre o Nepal e o Tibete, a 18 de Maio de 1999. Na descida, o colega de escalada e amigo, o belga Pascal Debrouwer, caiu numa ravina e morreu. João Garcia sofreu queimaduras no corpo. Foi internado num hospital de Saragoça, em Espanha, onde lhe foram amputados alguns dedos das mãos e pés, bem como parte do nariz.
O caso do alpinista português é especial – não há quem não sinta frio, mas são muito poucos os que arriscam expor-se a temperaturas de 40 graus abaixo de zero para conquistar os pontos em que a terra está mais perto do céu. Fazem-no com equipamento térmico, que, explica o alpinista, "não produz, mas permite reter o calor que o corpo vai gerando". Mais do que ao frio, João Garcia atribui à desidratação a falta de irrigação sanguínea das extremidades que ditou as amputações a que foi sujeito. "Lá em cima, o ar está rarefeito, cada vez mais seco e não temos garrafinhas de água mineral para ir bebendo e repondo a água que perdemos. Há gelo, mas não podemos estar constantemente a derretê-lo. O sangue fica mais espesso e não chega às extremidades. Devíamos hidratar mais naquelas condições, mas não é possível", sublinha o alpinista, notando que num dos últimos acampamentos "até ao cume e regresso foram vinte horas de esforço ininterrupto". Mas, como cá em baixo as circunstâncias são diferentes, João Garcia não perde a oportunidade de recomendar a quem mais sofre com o frio a "ingestão frequente de líquidos também durante o Inverno para que mantenham, nomeadamente, as mãos e os pés bem irrigados e mais quentes".
PERFIL
João Garcia nasceu em 1968 em Lisboa. Tinha 16 anos quando escalou a sua primeira montanha, a serra da Estrela. Nos Alpes deu asas à paixão. Uma comissão de serviço no quartel-general das Forças Aliadas na Bélgica entre 1990 e 1993 permitiu que se familiarizasse com os Alpes. Foi o início do caminho que, em 1999, faria de João Garcia o primeiro português a pisar o cume do Evereste. Nessa expedição sofreu vários ferimentos devido ao frio.
NOTAS
LÍQUIDOS
No Inverno a sensação de sede é menor, mas isso não dispensa a ingestão líquidos, fundamental para a hidratação
PROTECÇÃO
Proteger a boca e o nariz – e assim aquecer o ar antes da entrada – protege as mucosas do sistema respiratório
DESINFECÇÃO
O frio é um aliado dos vírus – por isso, quando aquele aperta, é importante reforçar a desinfecção

Isabel Ramos / L.O.

Sem comentários: