segunda-feira, 7 de junho de 2010

No código ideológico do liberalismo a doença mental "é um anacronismo"

A visão da "loucura" no início do século XX, a relação da sociedade liberal com os que se chamavam de "alienados" foi a base da intervenção de Ana Leonor Pereira, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no colóquio «Doentes e Cidadãos», organizado pelo «Ciência Hoje» e a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República.

No Casino da Figueira da Foz, a historiadora abordou como era vista a loucura pela burguesia vitoriosa em termos sociais e políticos. "O que fez da loucura um problema foi a falta de produtividade", pois esta era a base ideológica do liberalismo.

Na intervenção «Filosofia liberal e ética médica no internamento psiquiátrico no início do século XX», a investigadora explicou que o manicómio "foi concebido como forma a responder com eficácia" a alguns ideais do espírito burguês. O espírito de 1800 era um espírito progressistas em que a razão, a produtividade e a liberdade andavam lado a lado.

Assim, o mundo do "alienado" era visto como o mundo da "não-razão" e, desta forma, como o mundo do ócio, da não-produtividade e da não-liberdade. Todos estes conceitos são contrários à concepção burguesa do homem e da sociedade.

O internamento seria o lugar natural da loucura (porque não se pode tirar a liberdade a alguém que já não a tem) e significava também a possibilidade da sua abolição. Ali, o alienado "mostrava-se como tal" e recebia um "tratamento moral". Era esta a "fonte primeira do optimismo do médico alienista".

A disciplina institucional e policial e a vontade superior do médico-director do hospital (que nele tinha de morar) eram parte do quotidiano hospitalar.

Segundo o regulamento do Conde Ferreira, hospital psiquiátrico do Porto, o doente teria de se levantar às cinco da manhã. Havia o tempo da oração, do alimento, do trabalho, da recompensa e do castigo. Vestido com o seu fato hospitalar, o "alienado" era então inserido na "vida normal" que era "produzir".

De resto, "o trabalho, o coração da ideologia liberal, era considerado decisivo como fonte de auto-libertação da sua patologia". Tinha um poder "desalienante, gerador de lucidez".

A investigadora explicou ainda que os os alienados nobres eram considerados "incuráveis" porque o trabalho não se coadunava com a sua posição social.


"Luisa Marinho"

Sem comentários: